RESUMEN GRUPO DE TRBAJO 66

GT 66. EL PARENTESCO REPENSADO: NUEVAS PERSPECTIVAS ETNOGRÁFICAS SOBRE LA RELACIÓN/ O PARENTESCO REPENSADO: NOVAS PERSPECTIVAS ETNOGRÁFICAS SOBRE A RELAÇÃO

Coordinadores:

Florencia Tola (CONICET); tolatoba2015@gmail.com

Uirá Garcia (UNIFESP); ufgarcia@gmail.com

Marina Vanzolini (USP) ;marinavanzolini@gmail.com

 

 

1ª sessão - Alianças e afetos

 

 

NOTAS SOBRE CASAMENTO E SEXO NAS TEORIAS DE RELAÇÃO DE GRUPOS NEGROS NO BAIXO AMAZONAS, PARÁ

Miriam Hartung

 

Os cerca de 3.000 residentes das seis comunidades "quilombolas" da Área das Cabeceiras, localizada no Município de Óbidos, Pará, encontram seus cônjuges e parceiros sexuais entre seus parentes próximos, consanguíneos e/ou afins. Um homem pode manter relações sexuais e ter filhos com as irmãs, primas, tias e sobrinhas de sua mulher, enquanto uma mulher poderá ter filhos com irmãos, primos ou mesmo o padrasto de seu esposo. Essas relações se tornam mais complexas pelo fato de que muitas vezes os próprios cônjuges e seus parceiros sexuais também estão relacionados uns aos outros enquanto primos em diferentes graus. Assim, o grande número de relações conjugais e sexuais mantidas por esses homens e mulheres termina por construir uma complexa rede de casamentos e relacionamentos sexuais, na qual os sujeitos estão ligados entre si por diferentes tipos de relações de parentesco. Neste cenário, a questão sobre a qual queremos refletir toca a natureza dos laços sociais que ligam cônjuges e outros parceiros sexuais, e as teorias nativas que tornam possíveis a multiplicidade de uniões entre pessoas fortemente aparentadas.

  

 

NOTAS SOBRE FEITIÇOS, MULHERES E PARENTES ENTRE OS KAIOWA EM GUARANI EM MATO GROSSO DO SUL

Lauriene Seraguza

 

Este ensaio propõe reflexões sobre relações entre o parentesco e a cosmologia Kaiowa e Guarani em Mato Grosso do Sul a partir de uma etnografia que privilegia o ponto de vista das mulheres sobre estas categorias. Etnografias realizadas no início do século XX apontam para a “cultura guarani” como “marcadamente masculina”, onde o homem é o articulador da parentela que é composta por consanguíneos e afins e também por seres humanos e não humanos. Entretanto, estudos contemporâneos mostram que a parentela é dependente da existência do “fogo familiar” controlado pela mulher. A uxorilocalidade entre os Kaiowa e Guarani é uma política de produção de parentela e de suas relações com o entorno em que a mais grave acusação que pode ocorrer é a de “feitiçaria”, que pode produzir transformações na vida do acusado (a) e de sua parentela. Essa acusação recorrentemente, mas não só, recai em cima do cunhado (a), um parente nem tanto parente, com uma posição de alteridade radical marcada desde o primeiro mundo não humano, na figura de Aña, presente desde o mito fundador dos Kaiowa e Guarani em MS. Para isto, analisarei 1) as percepções sobre feitiçaria e suas acusações; 2) a imagem do cunhado (a) e suas possibilidades cosmológicas e 3) as relações entre parentesco e cosmologia levantadas entre estes indígenas. Estas três pontuações vinculam-se à uma teoria nativa da concepção, da produção de parentes vinculada à política, corporalidade e construção da pessoa Kaiowa e Guarani.

 

 

MULTIPLICIDADE E RELAÇÃO: A DINÂMICA DO PARENTESCO EM CONTEXTO INTERÉTNICO

Josiéli Andréa Spenassatto

 

A presente pesquisa, em andamento, tem como foco a Terra Indígena São Jerônimo, localizada na bacia do Rio Tibagi, ao sul do Brasil. Esta bacia hidrográfica é área de mobilidade entre várias localidades indígenas que realizam trocas e festas, em relações que tem a ver com seus laços de parentesco. A comunidade de São Jerônimo compreende três grupos distintos: Guarani, Kaingang e Xetá. Eles estão “misturados” segundo a perspectiva dos moradores da comunidade, não somente entre si como também com regionais. Tendo como ponto de partida a ideia de que as unidades sociais que definimos para realizar nossas análises são sempre sistemas sociais abertos e com fraca definição de fronteiras, é preciso entender o parentesco também como uma dessas unidades de análise formadas por uma multiplicidade de grupos locais, frequentemente instáveis e fluidos. Desta configuração interétnica de São Jerônimo constatou-se serem os seus laços matrimoniais e as suas relações de parentesco os tipos de relações que estruturam as interações entre esses grupos. Sendo assim, busca-se apresentar a dinâmica dos casamentos perpetrados por diferentes famílias extensas e a dinâmica das relações entre parentes, enfatizando a constituição da filiação. Apresentam-se os marcadores sociais que formam e diferenciam as pessoas e os parentes, e a maneira como essas marcas ou relações fundamentais podem influenciar na construção desse mesmo cenário ou contexto comunitário. Inserida na área de estudos do parentesco ameríndio a pesquisa dialoga com campos etnográficos amazônicos e indica problemas e aproximações na etnologia dessas diferentes regiões e contextos.
 

 

REPRODUÇÃO DA DIVISÃO SEXUAL DO TRABALHO ENTRE CASAIS HOMOSSEXUAIS? 

Fábio Pessanha Bila

 

A divisão sexual do trabalho é um tema que foi discutido nas Ciências Sociais desde seus autores clássicos. A ideia que dominou o debate sobre a temática, principalmente no século XIX, compreendia a questão a partir do pressuposto da complementaridade natural entre os sexos e do tabu do incesto. Estas eram percebidas enquanto norma que organizava todas as sociedades. Entretanto, profundas transformações sociais ocorreram no final do século XX. Tais mudanças questionaram todas as premissas referentes às relações entre homens e mulheres. Consequentemente as ideias clássicas sobre a divisão sexual do trabalho e o tabu do incesto foram interrogadas. As perguntas colocadas a esses temas abalaram a ideia de uma natureza como reguladoras das normas entre os sexos, demonstrando que o que se entendia como funções harmônicas ditadas pela natureza, mascarava uma hierarquia. Esta produz uma violenta desigualdade social, política e econômica entre homens e mulheres. Um novo paradigma foi criado para explicar tal divisão sexual do trabalho demonstrando que, ela é socialmente e culturalmente produzida, derrubando qualquer explicação vinculada à natureza. Dentre essas transformações vivenciamos o reconhecimento jurídico das uniões entre casais homossexuais, no Brasil, desde o ano de 2011. Este feito foi um marco na luta do movimento LGBT – Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais - no Brasil. Com isso, nosso objetivo é discutir como os casais homoafetivos fraturam a ideia de complementaridade entre os sexos e do tabu do incesto.

 

2ª sessão - Políticas, histórias e assimetrias 

 

SANGUE E SOLO, NO FRONT SURREAL: TERRITORIALIZAÇÕES, DESTERRITORIALIZAÇÕES, RETERRITORIALIZAÇÕES NOS ACAMPAMENTOS DE RETOMADA KAIOWÁ E GUARANI

Bruno M. Morais

 

“Espaço limitado, conflito interétnico, e penúria de recursos de toda espécie”, são a síntese de quase toda a literatura na descrição dos acampamentos Kaiowá no Mato Grosso do Sul. Em que pese a concordância neste ponto, a antropologia da territorialidade guarani divide os que a entendem como realização de categorias ditas nativas, do sistema e da organização social no espaço; e os que, a partir de uma crítica da a-historicidade desse tipo de análise, optam por um modelo centrado nas imposições externas que associam um povo a um território específico. Entre uns e outros, esta comunicação traz uma etnografia dos ‘acampamentos de retomada’ –especialmente do tekoha Apyka’i, uma ocupação a 15Km da cidade de Dourados– a fim de explorar três hipóteses sobre os acampamentos: (i) a de que o acampamento é uma organização política centrada na família, e cuja unidade e dinâmica estão fundadas em um sistema de parentesco; (ii) a de que, nesse sistema e sob a perspectiva nativa, as relações de partilha, de convivência, e de circulação de bens, pessoas, e afetos, têm preponderância sobre as relações de descendência e aliança; e (iii) sendo assim fundado em uma “mutualidade”, e ao mesmo tempo determinado pela conjuntura, os espaços dos acampamentos permitem aos Kaiowá e Guarani a experiência de uma memória e a reiteração de alianças outras que não as rigidamente disciplinadas pelo cerco imposto pela colonização. O que os dados de campo demonstram é que, em meio a aparente miséria dos acampamentos, os Kaiowá e Guarani tecem uma complexa rede de relações que unem territórios, famílias, e gerações. O parentesco aparece, então, como chave de análise do maior mistério, e da maior realização, dessas territorialidades precárias ameríndias: a sua resiliência.

 

 

 

 

DIÁSTOLE, SÍSTOLE E A GEOPOLÍTICA DO PARENTESCO TUKANO

 

Piero C. Leirner

 

Este paper tem como objetivo discutir certos aspectos do que podemos entender como parte de uma “política” no parentesco tukano. De maneira geral, a etnografia regional aponta para um consenso relacionado ao fato de que as várias etnias e/ou coletivos tukano operam uma terminologia dravidiana com uma preferência pelo casamento patrilateral, com algumas sutilezas (exogamia linguística, e certas proibições entre co-afins, que determinam alianças interétnicas). Em princípio, o sistema opera em um regime de trocas “multi-bilaterais” (Viveiros de Castro e Fausto, 1993),  em direção a um sistema de tipo semi-complexo. A partir de informações que obtive junto à tukanos que moram em São Gabriel da Cachoeira, e com análise de dados estatísticos, observei que tal sistema pode ser interpretado à luz de um movimento oscilatório entre a “preferência FZD” mais multi-bilateralismo, e um regime complexo. Isso porque – e este é o ponto que irei propor – é possível perceber uma espécie de interferência da hierarquia das classes de siblings na aliança (se contrapondo à noção de que as alianças operam em regime simétrico), levando à expansão “diastólica” baseada em estratégias inesperadas. Contudo, em antítese, as proibições provenientes de alianças incertas – que provêm da posição de consanguinização de co-afins, os chamados “filhos de mãe” – podem agir sobre este movimento de expansão como um freio, restaurando um movimento sistólico que redefine alianças mais localizadas e regimes prescritivos de tipo elementar. Assim, a proposta aqui é que o sistema opera em caráter duplo, atravessado pela hierarquia como vetor de modulação.

 

 

DOCE SERVIDÃO: PARENTESCO E HIERARQUIA NO CHACO INDÍGENA

 

Gabriela de Carvalho Freire

 

A comunicação refletirá acerca das relações qualificadas como hierárquicas na área do Gran Chaco, região em que se encontram sociedades compostas por extratos sociais diferenciados e horizontalmente relacionados - aristocratas, gente comum e escravos, em grande parte das descrições. Essa reflexão é proporcionada pelo diálogo entre as etnologias Kadiwéu, Terena e Kinikinau, a “antropologia do Chaco” e a crônica colonial, sendo, portanto, essencialmente bibliográfica.

Em meio as descrições encontradas nessas fontes encontra-se relatos de casamentos realizados entre os “nobres”mbayá com seus “servos”guaná, assim como a uma relação de aparentamento entre os “escravos”e seus “senhores”. Tentarei iluminar, assim, por meio das relações de parentesco, os desafios postos pelo Gran Chaco à antropologia política: chefes que não comandam, escravos tratados com carinho que não são obrigados ao trabalho, servos voluntários, populações tributárias que recebem presentes de seus senhores, estatutos hereditários que se ganha ou se perde à força do caráter e das habilidades, uma estratificação social aparentemente em tudo análoga à da Europa feudal, mas na qual até escravos podiam ascender à posição aristocrata, ou de chefe.

 

 

 

 

ENTRE ASSOMBRAÇÕES, FAMÍLIAS E IDENTIDADES: COSMOPOLÍTICA E PARENTESCO NOS REBEROS DE SANTANA

Fernando Barros Jr.

 

Santana é um povo formado a partir de, ao menos, quatro grupos familiares de origens distintas. Esses passaram a conviver e habitar a atual região há cerca de cem anos. Ainda, esta comunidade é constituinte de um conjunto de grupos populacionais locais, denominados rebeira. A mais recente transformação vivenciada pelo grupo foi a identificação enquanto população remanescente de quilombo, fato que deu início ao processo de regularização fundiária junto ao INCRA. Desde então, eles têm convivido com um processo de tradução de suas estruturas sociais tradicionais para os termos, especificidades e tipos regulamentados pelo Estado.

Nesse sentido, este trabalho – iniciado quando da elaboração do relatório antropológico para o INCRA e atualmente sendo desenvolvido enquanto objeto de tese de doutoramento – tem por intuito compreender vários níveis de mudanças ontológicas as quais a população de Santana vem passando.

Sendo assim, mostrou-se fértil partir da análise das relações entre humanos e não-humanos, dando-se ênfase aos processos cosmopolíticos presentes. Para tanto, é feito um levantamento das fábulas, mitos e assombrações tradicionais, na mesma medida em que são buscados suas correspondentes atualizações contemporâneas. Assim, esses são colocados em relação no intuito de se compreender como as “traduções” têm sido implementadas por parte do grupo.

Dessa maneira, tem-se que a apreensão desses processos é de fundamental importância para a análise de um contexto completamente distinto nas relações de parentesco estabelecidas desde o reconhecimento da identidade quilombola por um grupo que, até então, se reconhecia não apenas enquanto negro, mas também indígena e camponês.

 

 

TIEMPO Y PARENTESCO. UNA PROPUESTA PARA EL ESTUDIO DEL MAYORAZGO EN EL TUCUMÁN COLONIAL

Silvina Smietniansky

Roxana Boixadós

 

Para sopesar los efectos del sistema redistributivo de la herencia según obligaba la  legislación castellana y asegurar la continuidad del patrimonio dentro de la familia, los miembros de las élites coloniales implementaron una serie de estrategias; entre ellas, el mayorazgo. A la par de su importancia económica, las tierras indivisas del mayorazgo se develan como un locus que simbolizaba la nobleza, la fama y el prestigio de la familia, valores que el hijo beneficiado y constituido en señor era el encargado de transmitir. La portación del apellido del fundador del linaje definía asimismo una ligazón que recreaba la continuidad entre antecesores y sucesores.

Este recorte institucional se plantea propicio para abordar las nociones de tiempo asociadas a ciertas prácticas y representaciones del parentesco en la sociedad colonial, la construcción de la memoria familiar, los sentidos otorgados a la trascendencia y la perspectiva de un horizonte futuro, entre otros aspectos.  En trabajos anteriores, guiados por una perspectiva etnográfica, nos aproximamos al estudio del tiempo en instituciones del orden jurídico-político colonial. En continuidad con esa investigación, esta ponencia se propone explorar y establecer posibles rutas de análisis sobre las representaciones del tiempo y del parentesco en el marco de la constitución de tres casos mayorazgos en el Tucumán colonial (siglos XVI-XVIII).

3ª sessão - Transformações do parentesco

 

O MÉTODO GENEALÓGICO EM REHAB

Marcio Silva

 

Para David Schneider (1972: 59; 1984: 4, 119-120), os estudos de parentesco estariam ancorados em um fundo maligno, por ele denominado Doutrina da Unidade Genealógica da Humanidade. Esta Doutrina, que teria distorcido a observação etnográfica e consagrado na disciplina um “non-subject”, pode ser assim resumida: o parentesco é um objeto empírico universal e tem a ver com a reprodução humana. Com base nessas premissas, a tradução genealógica teria se tornado uma espécie de padrão-ouro que lastrearia a comparabilidade de diferentes manifestações do parentesco, tomadas especiosamente como sistemas, em torno dos quais foram construídas macro tipologias e grandes teorias. Segundo Schneider, tal Doutrina não seria outra coisa senão o surrado senso comum do Ocidente, elevado à categoria de Método Científico, por uma legião de usuários cuja enumeração seria um Who is Who da Antropologia do Século XX. Com base na etnografia Enawene-Nawe, esta comunicação se contrapõe à crítica de Schneider em duas frentes: em uma delas, se pergunta se convém necessariamente entender o método genealógico como método de tradução do parentesco, o que implica, entre outras coisas, discutir o que seria uma tradução (boa ou ruim) de qualquer coisa. Em outra frente, indaga se o método genealógico requereria tal Doutrina, como condição necessária para se definir. Finalmente, argumenta em favor de sua reabilitação na pesquisa contemporânea, com a incorporação de ferramentas computacionais, como via promissora de acesso aos “símbolos e sentidos...dos quais uma cultura consiste”, cujo estudo, segundo o próprio Schneider, corresponderia à primeira tarefa da Antropologia (1984: 196).

 

 

LA REORGANIZACIÓN SOCIAL DE LOS AWAJÚN (AGUARUNAS) -
ELEMENTOS PARA DISCUTIR LA POSIBLE TRASFORMACIÓN DEL SISTEMA DE PARENTESCO DE UNA SOCIEDAD DE LA AMAZONÍA PERUANA

Erik Pozo

 

En la primera visita en el año 2012 a una de las comunidades Awajún de la Amazonía peruana, conocí a Bernabé Akintui Jempeki quién me dijo: “Awajún moderno no se casa con su prima”. Desde entonces me he propuesto comprender en toda su complejidad los resortes que motivaron esa afirmación, que dista mucho de ser anecdótica, y las consecuencias de ella en toda la arquitectura social de los awajún contemporáneos.

La organización social y el sistema de parentesco amazónicos fueron descritos y teorizados adoptando principalmente el paradigma prescriptivo de la teoría de la alianza lévi-straussiana a partir de un universo social autóctono donde los no-indígenas tenían un lugar subsidiario. Actualmente la interacción entre indígenas y no-indígenas se ha intensificado fuertemente y la prescripción de las alianzas parece estar debilitándose en gran medida. En este contexto, este trabajo se propone describir y analizar los cambios en la elección del cónyuge entre los indígenas Awajún y la posible transformación del sistema de parentesco dravídico de esta sociedad amazónica, a partir de datos recogidos en breves períodos en campo durante los años 2012, 2013 y 2014, así como con datos etnográficos de un trabajo de campo de más largo aliento y sistemático, aún en curso, iniciado en mayo de 2015 y proyectado hasta julio del 2016.

 

 

UM MODO AMAZÔNICO DE INCESTO: A EXPRESSÃO TRANSVERSA DE UMA INTERDIÇÃO

Márnio Teixeira-Pinto

 

Apesar do enorme avanço que os estudos do parentesco entre sociedades indígenas sul-americanas conheceu em anos recentes, o problema do incesto entre os povos indígenas do continente continuou a merecer pouca atenção, não porque jamais tenha existido ou porque não exista empiricamente. De fato, parece-me que a tradicional escolha por tomar os fatos ligados à realidades etnográfica do incesto através de seu rebatimento mitológico – onde quase sempre ocupa o lugar do risco da quebra da reciprocidade matrimonial e/ou como expressão de  formas inapropriadas de aliança – está entre as razões que podem ajudar a explicar a inexistência de uma reflexão mais sistemática sobre o incesto em povos indígenas amazônicos. Esta comunicação pretende ser uma primeira contribuição para romper com este quadro: partindo de uma descrição detalhada de casamentos entre irmãos, e outras situações incestuosas encontradas entre os Arara (Karíbe, Estado do Pará, Brasil), ao lado das teorias nativas sobre a ontologia das relações sociais, pretendo mostrar a lógica nativa que lhes sustenta e avançar alguns princípios analíticos que podem tornar o caso Arara comparável a outros casos amazônicos.

 

 

TRANSFORMAÇÕES DO PARENTESCO TUKANO

 

Raphael Rodrigues e Geraldo Andrello

 

Esta comunicação visa explorar as transformações do parentesco entre os Tukano, mais especificamente quando segmentos do grupo (vários clãs, um clã ou partes de clãs) se deslocam rio abaixo. Trata-se, de fato, de um movimento histórico e persistente de expansão desse que é o maior grupo da bacia do Uaupés, e que vem ocorrendo há pelo menos cinco gerações. O ponto a explorar é em que medida a correspondência entre a posição sócio-espacial de clãs maiores e menores com o jusante e o montante respectivamente se atualiza nessas circunstâncias. Tomando a história da ocupação do baixo rio Uaupés pelos Tukano em período relativamente recente (aproximadamente a partir de meados do século XIX), buscaremos verificar como o pioneirismo de clãs menores nessa sub-região, ou, por outro lado, a chegada posterior de clãs maiores acompanhados por cunhados de outros grupos, tensiona a estrutura hierárquica dos papéis rituais, promove constituição de novos coletivos e suscita o emprego de novas designações. Se as narrativas de origem tukano tratam da configuração do parentesco humano – a emergência da humanidade como um deslocamento rio acima de germanos mais velhos e mais novos e sua diferenciação posterior como consanguíneos e afins -, seria possível tomar os movimentos históricos em sentido contrário como um processo de desconfiguração e reconfiguração do parentesco? Quais as variáveis centrais nesse processo? Como disse um índio do Uaupés ao comentar tais processos, “ao se deslocar você se torna outra pessoa”. Assim, o intuito aqui será o precisar os sentidos possíveis dessa afirmação.

4ª sessão - Fazendo e desfazendo pessoas

 

DESCONSTRUINDO RELAÇÕES: CANTOS E MORTOS ENTRE OS ARAWETÉ

Guilherme Orlandini Heurich

 

A partir de trabalho de campo realizado entre os Araweté, proponho neste trabalho uma reflexão sobre a relação entre vivos e mortos. Exploro aqui a posição dos mortos e as atitudes dos vivos em relação a eles através da análise dos cantos de um dos gêneros da música vocal araweté e através de uma descrição das ações dos Araweté durante a performance desses cantos. Na etnologia ameríndia, os mortos são frequentemente equacionados aos inimigos (H. Clastres, 1968) e/ou a uma posição de alteridade radical em relação aos vivos (Carneiro da Cunha, 1978) e, nesse sentido, é necessário um esforço de separação, de apagamentos dos traços e da restrição aos nomes dos mortos (Albert, 1985). Por um lado, o que chama a atenção no caso dos Araweté é que os vivos não somente mencionam frequentemente os seus mortos como também os recebem em suas aldeias quando seus xamãs trazem os mortos para cantar. Por outro lado, as ações desencadeadas pela morte de uma pessoa visam desconstruir as relações entre parentes vivos e mortos e, nesse processo, destacam-se os cantos cantados pelos xamãs, o conteúdo e a forma do discurso dos mortos nos cantos e, finalmente, o que os vivos fazem para que os mortos possam nos esquecer. Sugiro, então, que os cantos araweté são “relações que separam” (Strathern, 1988) e são também ferramentas para a “desconstrução do parentesco” entre parentes vivos e mortos.

 

 

OFERECENDO A PALAVRA, FAZENDO PARENTES: O PARENTESCO SEGUNDO AS FAMÍLIAS TUPI GUARANI DO ESTADO DE SÃO PAULO

 

Lígia Rodrigues de Almeida

 

Pretende-se com esta comunicação abordar as relações de parentesco entre famílias tupi guarani, a partir da etnografia realizada em aldeias localizadas no sudoeste do estado de São Paulo. “Viver junto aos parentes” é de extrema importância para essas famílias, pois é através dos cuidados mútuos e do compartilhamento diário de substâncias, bens e sabres que a pessoa tupi guarani se constitui e se fortalece. Entre essas famílias é comum o uso do termo “ridicar” (não negar algo), para se referir a conduta apropriada entre “aqueles que vivem juntos”. Não se deve “ridicar” comida, bens ou materiais para confecção de artesanato, e não se “ridica”, sobretudo, a palavra. Não “ridicar” a palavra é uma forma de manter os parentes sempre próximos, evitando que se entristeçam e “fiquem distantes em seus pensamentos”, o que pode fazê-los adoecer. A palavra é considerada ainda, uma parte importante que constitui a pessoa, pois a partir do “saber as palavras” que as crianças se tornam “mais completas”, coincidindo o seu domínio com os seus primeiros passos. A palavra também se apresenta enquanto uma forma de fazer parentes e de atualizar relações seja pelo uso dos termos de parentesco (tia, vó, irmão...), que costumam acompanhar os nomes pessoais, ou então convidando as pessoas para o convívio da aldeia. São essas dimensões da palavra enquanto parte constituinte da pessoa e de relações de parentesco que focarei neste trabalho.

LA “PERSONA” WICHÍ: LA PARENTELA Y LA ONTOLOGÍA DEL “SÍ MISMO”

Guadalupe Barúa

 

En este trabajo se analizarán las concepciones del parentesco wichí a la luz del  concepto de “sí mismo” propuesto por Paul Ricoeur. En tal sentido, la socialidad de la parentela (un grupo de parientes consanguíneos que comparten el mismo espacio territorial, con sus inestables afines)  parecería tejer un campo que la contiene y que excede los límites de los cuerpos individuales. Dichas parentelas comparten historias sobre su propia formación, las narraciones sobre el origen de sus nombres propios, sus cantos, sus empatías con algunos personajes míticos, o con ciertos animales o plantas. La manifestación de las conductas esperadas sería la razón de la confianza mutua más que la apariencia personal. Ello se lograría mediante una cadena continua de relaciones intersubjetivas en un mundo de co-presencia.

 

CONSUBSTANCIALIDADE, SANGUE E PARENTESCO: ALGUMAS REFLEXÕES SOBRE SUBSTÂNCIAS

Juliana P. Lima Caruso

 

Entres os desdobramentos das propostas realizadas por David Schneider é possível situar os trabalhos na área do parentesco que consideram as substâncias e fluidos corporais como partes formadoras das relações de parentesco e da pessoa. Ao mesmo tempo, em outra linha de pensamento, estudos como os de Françoise Héritier, lançam outros olhares para a análise das substâncias e do sangue nas análises das relações matrimoniais. Considerando essas duas perspectivas, pretendo refletir sobre meus primeiros resultados e análises da minha tese, ainda em curso, sobre o papel das substâncias- em especial do sangue – nas escolhas e interdições matrimoniais, assim como nas relações de parentesco em sete comunidades Caiçaras do litoral norte do estado de São Paulo. Nestas comunidades, onde há forte tendência endogâmica, variando de uniões de consanguíneos próximos (tios/tias, irmãos adotivos, primos germanos) até replicações de alianças, o idioma do sangue, assim como as substâncias que por ele passam, são uma das faces destas relações sendo por vezes a explicação para determinadas práticas matrimoniais. Desta forma, as questões que surgem são: Como que, em um grupo onde quase todos os moradores dizem ter parentesco entre si, são classificados os mais ou menos parentes? E, em que medida a escolha entre parentes casáveis/ não casáveis é influenciada pelas questões ligadas às substâncias?.

 

 

DE UM PONTO DE VISTA AO OUTRO: A EXOGAMIA DE METADES ENTRE OS TENHARIM DO RIO MARMELOS (SUL DO ESTADO DO AMAZONAS)

Edmundo Antonio Peggion

 

A noção de pessoa e a fabricação do corpo foram temas dados como centrais na antropologia brasileira a partir dos anos de 1970. Uma pessoa, constituída por um conjunto de relações, é construída, fabricada, passa por ritos, etc. Pensar uma pessoa em um contexto em que há exogamia de metades pode significar ser feito também em uma oposição determinada e, talvez, na impossibilidade de partilhar o mesmo ponto de vista.  Uma pessoa em uma sociedade de metades pode ter duas possibilidades para estar no mundo: constituir de uma dualidade uma unidade ou constituir em si uma dualidade. No primeiro caso estou entendendo a relação que faz uma pessoa ser reconhecida e reconhecer-se como membro de uma metade em relação à outra. No segundo caso é como vejo o contexto sul amazônico que entrecruza as particularidades de um sistema dualista com uma fórmula relacional baseada na predação. Pretendo refletir sobre tais possibilidades com base em informações etnográficas coletadas entre os Tenharim, povo Tupi Guarani que possui um sistema de metades exogâmicas marcadamente concêntrico.

 

5ª sessão – Socialidades

 

O TEKO E SUAS VIZINHANÇAS: ENSAIO SOBRE A ESTÉTICA DO PARENTESCO ENTRE OS GUARANI

Ana Maria Ramo y Affonso

 

A minha proposta é abordar as convergências e/ou ressonâncias entre as relações de parentesco, a ideia de humanidade e o conceito de perspectivismo no contexto de algumas considerações guarani sobre o “teko”: termo polissemântico, comumente traduzido como “sistema, regra, costume”, que forma a raiz de conceitos como tekoa, nhandereko e/ou tekoaxy, respectivamente traduzidos como aldeia, cultura e ser humano. Considerando uma socialidade que inclui vivos e mortos, donos, seres visíveis e invisíveis, etc, o parentesco é postulado enquanto composições de relações em interferência mútua, consideradas a partir do movimento de pessoas, palavras e coisas. Tratarei este movimento como troca, o colocando a serviço de uma intencionalidade que visa criar aproximações e afastamentos entre as pessoas no intuito de promover potências, sendo seus efeitos explicitados nas falas dos Guarani nos termos de estados  -  “fortalecimento” e “enfraquecimento” -, de afetos – tristeza, alegria, saudade, raiva  -, e de processos – lembrar e esquecer. Por sua vez, distâncias (aproximações e afastamentos) entre seres ontologicamente diferenciados são percebidas como “zonas de vizinhança” entre diversos teko. A ideia guarani de pessoa é aqui apresentada pela noção de “socialidades ao lado”, a partir de uma reflexão sobre a condição teko axy: a condição da humanidade na Terra. A proposta é ilustrar uma parcela destas complexas composições na tentativa de fazer aparecer alguns sentidos que os Mbya dão à socialidade e ao parentesco, bem como as estratégias com as quais se pode incidir em seus arranjos, ou, em outras palavras, em seus corpos e composições; ou seja, em suas pessoas.

 

 

MORUWISAW: CRESCIMENTO CORPORAL E PARENTESCO ENTRE OS AIKEWARA

Orlando Calheiros

 

Para os Aikewara, para tudo que existe hoje existe uma história, isto é, um mito que explica sua origem. Com efeito, se lhes inquiria sobre “o que faz do parente um parente”, me contavam sobre algo que se passou em outro mundo, uma terra que existiu antes dessa que conhecemos; onde não existia uma diferença efetiva entre os homens, pois, ali, todos viviam da mesma maneira, comiam as mesmas coisas, dormiam e trabalhavam nos mesmos horários – como ocorre nas cidades dos brancos. Me contavam a respeito de um homem que desejou a carne daqueles que eram seus semelhantes, seus parentes, deste que foi o primeiro a fazê-lo. Me contavam sobre como seus desejos eram como uma “doença”, sobre como foram capazes de contagiar outros, de torná-los igualmente ávidos. Este homem tornou-se o chefe, o principal (moruwisaw) deste bando destoante, diziam, chefe daqueles que os Aikewara denominam o “primeiro povo verdadeiro”. O objetivo desta comunicação é, justamente, explorar a proposição contida neste mito e a maneira como ele se desdobra nos movimentos e relações que fundam o parentesco aikewara - um parentesco cujo problema central é o contágio do outro, do diferente.

 

 

PARENTES DE SANGUE: DIFERENÇA E RELAÇÃO ENTRE OS PATAXÓ HÃ HÃ HÃE

Hugo Prudente da Silva Pedreira

 

Os Pataxó Hã hã hãe entendem a sua vida social como uma vida em meio à diferença. As famílias ou etnias que compõem o coletivo empreendem movimentos de aproximação, “misturando”, “se unindo”, uma por “dentro” da outra, apontando para um movimento nunca acabado de tornar-se “uma parentagem só”. Elas também se esquivam e se evitam, porque viver “misturado” é ser constantemente desafiado pela divisão. Sangue e mistura, são termos marcadamente ambivalentes, por meio dos quais eles elaboram sua experiência do parentesco. Neste cenário, o problema do parentesco é o problema da diferença. As “diferenças de sangue” são explicitamente assumidas como um desafio na constituição do coletivo, apreendido como corporalidade. Por outro lado, é por saberem- se “parentes de sangue” que as diferenças parecem apaziguadas. Alguns casamentos “fortalecem” o sangue, outros o “enfraquecem”, e o tema é objeto de apreciações e controvérsias. Não parece haver um lugar para o consenso, tanto a excessiva distância como a excessiva proximidade tocam os limites da produção de corpos relacionados. Em outro nível, se é o sangue que os torna iguais – isto é, parentes, pessoas de “mesmo sangue” – é também ele que traz de longe o risco de tronar-se Outro, pois “o índio é raciado com onça” e neutralizar o devir outro dos “antigos”, dos “bravos” é a condição do parentesco, apontando para o longo processo que tornou parentes povos de diferentes origens. As grandes diferenças entre kariri-sapuyá, tupinambá, kamakã, pataxó e baenã, enfatizadas no presente, estão envolvidas em pequenos afastamentos e em gestos de aproximação.

 

 

O ANTI-ÉDIPO TICUNA

Edson Tosta Matarezio Filho

 

Esta comunicação visa refletir sobre algumas relações entre mitologia, ritual de iniciação, casamento e relações entre humanos e não-humanos para os Ticuna, povo de língua isolada localizado principalmente no Alto Rio Solimões (AM). Com relação à mitologia, parto do pressuposto de que, de maneira geral, os ameríndios não baseiam sua mitologia num antagonismo entre pai e filho e o consequente “fechamento edipiano da família diante do socius” (Viveiros de Castro, 2007: 114). Neste sentido, concentro a análise em uma série de mitos ticuna que tem os heróis Metare e Monmaneki como protagonistas. Se, por um lado, temos a figura de Monmaneki, o mulherengo, com quem nenhuma mãe gostaria de ver a filha casada, por outro lado, Metare, aparenta ser o “bom partido” da mitologia ticuna. Além disso, as aventuras deste último personagem narram a vingança contra inúmeros sogros canibais, que são mortos por ele, exemplos do “arqui-mito” ameríndio (idem: 123). Deste modo, estes mitos nos fornecem “os termos da dívida ontológica” (ibdem) ticuna: entre genro e sogro canibal. Definido o polo masculino da análise, passo ao ritual de iniciação feminina dos Ticuna, a chamada Festa da Moça Nova. Este ritual operaria uma espécie de “castração simbólica” da moça, preparando-a para o casamento. Nesta festa também entram em cena os não-humanos centrais para a realização do ritual. Os mascarados e outros seres do cosmos aparecem na Festa tentando raptar as moças – no limite, o perigo é interno ao próprio corpo das neófitas – reacendendo a dívida ontológica primordial registrada nos mitos.